12 de maio de 2015

Janus. Lala Albert (Breakdown Press)

Esta nova etapa de Lala Albert vai um pouco mais longe dos dois últimos títulos de que faláramos, mas ainda assim não podemos crer que a autora alguma vez deseje mergulhar nas águas confortáveis das narrativas convencionais. Na verdade, Janus permite fazer o exercício de apresentar uma sinopse que pareceria “natural”, quer na sua estrutura quer na psicologização das suas personagens, mas perder-se-ia certamente a tradução da sua ambientação aberta, as estranhas emoções e o permanente questionamento das suas linhas mais profundas. (Mais) 

Janus centra-se numa personagem feminina que se encontra protegida do “mundo real” por várias camadas: em primeiro lugar, pelo seu isolamento espacial no apartamento em que vive sozinha; pelos contactos esporádicos que parece manter pela internet e, de quando em vez, com saídas junto a amigos ou maiores aventuras em festas com estranhos; a mais estranha, por viver dentro de uma pele sintética, ou um fato e máscara que a cobrem por completo (um pouco como La piel que habito, de Almodóvar) e que serve de mecanismo maior à sua pessoa; e finalmente pelas fantasias que a fazem cobrir-se de ondas do mar, separando-a do plano da realidade tangível.

A narrativa tem início desde logo num nível que imaginamos ser real – numa praia? - mas que em retrospectiva compreenderemos que é muito possível que se trate de uma fantasia, de uma fuga psicológica. A protagonista vive nessas máscaras sucessivas para se proteger a si própria, mas também para poder projectar uma nova oportunidade de subjetificação. Um projecto que a permite aproximar-se de um homem, de uma ideia de desejo, mesmo sexual, mas que rápido tomba num território difícil de destrinçar se de facto ou se de fantasia. Um projecto, até certa medida, falhado, pois o hábito que a segunda pele cria congela-a não numa superfície sempre virgem e pronta a ser re-habitada e re-inventada, mas já “naturalizada”.

Um diálogo com uma amiga, no final, revela muitas destas questões, ainda que jamais se faça uma apresentação cabal e normalizadora da história. Esta amiga pergunta-lhe se haverá realmente uma diferença entre ser-se real e pensar-se que se é real? A protagonista avança a ideia de que seria o “controlo” aquilo que marcaria a diferença, mas ela sente também que o está a perder.

Lala Albert parece centrar-se em personagens cuja identidade está em permanente crise, onde a possibilidade de dissolução não é apenas uma imagem algo vaga e de contornos psicológicos, mas onde se passa do campo da metaforização para a da concretude dos corpos. Ainda que, como já indicámos, as partes em que a protagonista mergulha em marés crescentes e vazantes tenha uma dimensão onírica (ou mesmo de tradução directa do desejo sexual e da fuga) que complica essa outra distinção.


Impresso a duas cores em risografia, preto e azul, a primeira serve de arcobotante, absolutamente sólido e decisivo, para uma intervenção de superfícies e texturas segundas, mas igualmente para impressões fantasmáticas: existem aplicações de um “pó” que não parecem ter funções representativas propriamente ditas, mas de uma espécie de eco da passagem das personagens, ou de uma aura que perdura e provoca sensações de segundo grau sobre elas. Se fará parte da percepção do real, ou projecções, apenas a leitura o decidirá. 

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